Artigo escrito professor: Edson Silva.
A ciência é uma
produção humana, portanto, está vinculada a um contexto histórico e social, do
qual, dialeticamente, dá e recebe influências de diversas ordens: econômicas,
políticas e sociais. Apesar do mito da
neutralidade científica (Japiassu, 1975), sabe-se que a
ciência é um processo dinâmico, cujo conteúdo está perpassado de valores e de
visões de homem, mundo e sociedade. E que a sua racionalidade é a racionalidade
da sua época, ou seja, de um determinado momento histórico-social. Portanto,
estudos que revelem a essência da própria ciência, é condição sine qua non para conhecer e desvelar
seus paradigmas.
Desde que Platão e
Aristóteles propuseram uma diferenciação entre saber e opinião, ou episteme e
doxa, o homem tenta conhecer de modo mais aprofundado e seguro a realidade
(CUPANI, 1989). Para isso criou e aprimorou através da reflexão e da
construção de novos instrumentos teóricos uma forma paradigmática de se fazer
ciência, o método científico. Por método científico entende-se um procedimento
racional e regular para alcançar a “verdade” científica, esta, contraditoriamente,
não é absoluta.
Uma das
características mais importantes para a ciência contemporânea é a
objetividade. Por objetividade entendemos com Rabuske (1987)
“adequação ao objeto”. Entretanto, como nos alerta o próprio Rabuske
(1987), objeto não é unicamente a coisa material, e nem realidade, pois
conceitos abstratos e imateriais também podem ser objeto da ciência, como por
exemplo, o objeto da matemática.
A preocupação com a
objetividade do conhecimento é uma característica que vem de longa data, Kant,
Descartes, Hume entre outros, cada qual a seu modo, debruçaram-se sobre esta
questão, foi, porém, com Augusto Comte e seu Positivismo que a objetividade se
firmou e passou a ser uma categoria de destaque no debate
científico-filosófico.
O termo Positivismo
provém do latim positum e significa o que está posto,
colocado. O Positivismo tem este nome porque ele pressupõe que a
realidade é o que está aí, está posto, colocado na nossa frente! (GUARESCHI,
1991). Por isso mesmo no dizer de Comte (1973, p. 9), a ciência deve se
preocupar com os fatos observáveis, pois a essência dos fenômenos é, segundo
seu entendimento, inacessível,
No estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de
obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a
conhecer as suas causas íntimas, para descobrir, graças ao raciocínio e à
observação, suas leis efetivas, suas relações invariáveis de sucessão e
similitude. A explicação dos fatos resume-se de agora em diante na ligação
estabelecida entre os diversos fenômenos particulares alguns fatos gerais.
Com este enunciado
pode-se deduzir a preocupação de Augusto Comte com a questão da objetividade e
da observação, atualmente dois pilares cruciais no discurso científico.
Discurso este que tem por incumbência a conformidade do conhecimento com
a realidade. Porém esta conformidade não é tarefa fácil, notadamente do
aspecto ontológico, pois se a ciência, mesmo a positivista, procura uma
aproximação mais correta possível com o fenômeno estudado, é sabido que o mundo
objetivo, concreto, não se deixa captar por uma ciência metodologicamente
enviesada. O dado na experiência empírica, nas ciências Empírico-Formais, é
como o próprio nome anota um dado, ou dados, enquanto conjunto de informações
científicas, não é mais do que um momento do processo do conhecer científico.
Sendo por isso questionável a suposta apreensão do “mundo real” pela ciência
empírica positivista. Portanto, se a apreensão não se dá ipso facto, é
no mínimo muito controversa a experimentação animal como pressuposto
correlacional epistêmico-biomédico para aplicação em seres humanos.
Portanto, o que deve ser considerado na atividade científica com relação
à experimental animal é um questionamento crucial, existe justificabilidade epistemológica
para tal prática e transposição dos seus resultados para os seres humanos?
Essa é uma pergunta basilar na metodologia científica que usa animais
como modelos experimentais.
Cientifizando a vivissecção
Uma das práticas na
ciência que tem sido objeto de muita polêmica é, sem dúvida, a experimentação
animal. Aplicação milenar e consagrada na ciência, Aristóteles e
Hipócrates, na Grécia Clássica, já utilizavam animais em seus estudos, vive
atualmente um autêntico dilema ético e, sobretudo epistemológico. Olhando para
a História da Ciência podemos afirmar que foi com Galileu que a técnica e a
observação foram alçadas a categorias matematizáveis, ou seja, observa-se,
experimenta-se e comprova-se estatisticamente. Ora, se é com Galileu que temos
uma nova forma de olhar o fenômeno nas ciências físicas, o mesmo, pode-se
dizer, acontece com a fisiologia. William Harvey (1578-1657), médico e
fisiologista inglês, foi um grande entusiasta da observação direta,
principalmente em animais. Como resultado de seus estudos, publicou em 1628 “Exercitatio
Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus (Estudo Anatômico
sobre o Movimento do Coração e do Sangue nos Animais)”, obra na qual inaugura a
extrapolação das conclusões observadas diretamente em animais para os seres
humanos.
A partir deste
contexto de pesquisa e na esteira do
Sistema Filosófico Cartesiano, que via os animais através de uma lente
mecanicista, inclusive com a ideia que os mesmos não eram suscetíveis à dor, os
animais não humanos passaram a fazer parte rotineira dos laboratórios de
pesquisa em universidades e institutos. Era lógico pensar, de
acordo com as concepções cristãs e cartesianas que se os animais
estavam sujeitos aos homens e não eram sensíveis a dor, que os mesmos pudessem
ser utilizados como cobaias em experiências e trabalhos científicos.
A
situação para os animais se agrava, a partir do século XIX, com a elevação da
biologia ao status de
ciência positiva, notadamente com os trabalhos realizados pelo fisiologista francês
Claude Bernard (1813-1878), Bernard tinha verdadeira obsessão pela observação
direta e pela experimentação, inclusive era adepto da vivissecção, utilizando
animais vivos em suas experiências, seu desprezo pela dor dos animais era
tanta, como pode ser lido em sua
"Introdução à Medicina
Experimental", publicada em 1865, que sua esposa, Marie-Françoise
Martin, mais conhecida como Fanny Bernard, separou-se do mesmo por não
concordar com tanta tortura e descaso pelos animais. Pouco tempo depois, Fanny
Bernard tornou-se militante e defensora da causa Antivivisseccionista.
A ciência no mundo contemporâneo, especialmente as ciências biomédicas,
tem tido um discurso pragmático que a coloca como “juiz” e avalista de inúmeros
procedimentos e produtos (medicamentos, cosméticos, higiene, exames, e outros),
como se infalível fosse. Agregada a publicidade midiática os produtos oriundos
das ciências biomédicas são apresentados ao público leigo como panaceia para
todos os males. Famosa é a propaganda de uma marca de creme dental, apresentada
por uma bela odontóloga (?) com seu jaleco alvo a reluzir! Prometendo, como diz
o ditado, mundos e fundos!
Passado o riso, o que fica é a perplexidade do endeusamento de uma
tarefa da vida, sim, a ciência é bela, é útil, é interessante, nos dá uma vida
mais agradável, aos que podem comprar, e nos instiga a curiosidade. Entretanto
a ciência e seus cientistas também já nos deram e nos dão muito desgosto, como as bombas atômicas e os pesticidas que infestam a agricultura.
Porém parece que a
parte duvidosa da ciência não tem muita importância, como no pragmatismo insano
onde os “fins justificam os meios”.
Referências
COMTE, A. Curso de filosofia positiva.
2ª Edição. São Paulo: Abril Cultural, 1973.
CUPANI, A. A Objetividade científica como problema filosófico.
GUARESCHI, P. Sociologia crítica: alternativas
de mudança. 25ª Edição, Porto Alegre: Mundo Jovem, 1991.
JAPIASSU,
Hilton. O mito da neutralidade científica. Rio de Janeiro, Imago, 1975.
RABUSKE, E. Epistemologia das Ciências
Humanas. 1ª Edição, Caxias do Sul: EDUCS, 1987.
GUARESCHI, P. Sociologia crítica: alternativas
de mudança. 25ª Edição, Porto Alegre: Mundo Jovem, 1991.